Silenciosa herança.

Será que um dia eu pude dizer o quanto aqueles poucos momentos em que realmente passamos juntos significou para mim? Ou o quanto eles me ajudaram a ser quem eu sou agora? E os valores que vieram dos outros tantos momentos em que eu só te observava. O quanto aprendi ao conviver, e o quanto aprendi quando não convivíamos.

Acho que, mesmo agora, talvez gostaríamos de dizer algumas coisas um ao outro. Mas não somos assim, não é? Não somos de falar. Nem um ao outro, e acho que nem aos outros. Mas nós sabemos o que está lá. Sabemos o quanto significa. E acho que sabemos o quanto sentimos falta. E o quanto certas coisas são irremediáveis.

Eu sei agora (e não entendo o motivo de não fazer nada para mudar), se não houver despedida, eu terei criado um vazio tão grande dentro de mim... E será que vai haver consolo em saber que nosso carinho não anunciado um pelo outro nunca deixou de existir? Eu espero não ter de descobrir. Não dessa maneira.

Então, te vejo amanhã? Ou depois? E aí vamos jogar bola? Ou passar o domingo fazendo uma guitarra de madeira. Eu poderia passar a infância toda, de novo, brincando no chão, ouvindo o som da tua calculadora. E será que vai haver consolo em saber que, de todos aqueles cálculos, alguns eram pra mim? Saber que, mesmo não estando comigo sempre, pensava em mim, mesmo através de alguns daqueles números?

Sempre extrapolando. Nas brincadeiras - às vezes demasiadas. Na seriedade - sempre que precisava. E na maneira de esconder o que pensava. De não mostrar quem realmente era. Ou quem já foi, antes disso. Acho que nunca vou descobrir certas coisas. Mas, de alguma maneira, tenho certeza de que me tornei quem tu era. E vou sofrer um pouco por isso. Mas vou aprender algo novo, todo dia.

E sei que, depois que tudo estiver acabado, um pedaço de ti vai continuar sempre comigo.
O legado de uma amizade que nunca entendi tão bem quanto deveria.
Um silêncio que aprendi a saber o que dizia.
Saber ser uma fortaleza. Silenciosa. Gentil. Humana.

Escondendo o que sente.
Porque essa é a forma de demonstrar. E escolher, mesmo que só pelo olhar, quem são as pessoas que vão te perceber e te aceitar dessa maneira.